Qual o propósito de estar casado?

Deve existir uma conspiração social que empurra a todos porta adentro da igreja para confirmar o casamento, nada mais importa: diferenças do casal, dos pais do noivo, dos pais da noiva, estão mais interessados na festa que na vida que espera este casal. Vejam que a maioria das novelas no geral termina em casamento. Não seria aí que elas deveriam começar? Os recém-casados felizes e desavisados dão início ao ciclo de vida da família que acaba de se formar.  Partem para lua de mel, sem ideia do que os espera e quando voltam se deparam com outra realidade, totalmente desconhecida e bem diferente daquela que deixaram.

Na saúde e na doença, por todos os dias de nossa vida …

De uma relação romântica do namoro passam para relação formal do casamento, as duas famílias de origem seguem junto com a bagagem dos noivos.  Se eles acreditaram no ‘finalmente sós” vão perceber agora que são “seis na cama”. O pai e a mãe do noivo, o noivo e a noiva e o pai e a mãe da noiva, nesta ordem. Os noivos herdam o modelo de união de seus pais e caso esqueçam eles estão ali para lembrar. Essa cena pode ser vista no filme “A história de nós dois”[1], vale a pena ver e rever.

No ciclo de desenvolvimento da família, as principais fases vão desde o nascimento da nova família; depois o primeiro filho; filhos na escola; filhos adolescentes; filhos saindo de casa; ninho vazio e velhice. Na transição de uma fase a outra se tem o estresse da mudança; começamos a nos adaptar e já vem a outra fase. Em algumas famílias a mudança acontece com mais resistência, muitas famílias com filhos de 18 anos ainda se encontram na fase dos filhos com oito anos. Recém-casados que não deixam a vida de solteiros. Para assumir novos papéis é preciso abrir mão dos antigos, o acúmulo impede o crescimento e autonomia dos membros da família.

Um jovem casal foi atendido em terapia, estavam casados há três anos, se queixavam de não se entenderem, brigavam muito. A certa altura a esposa disse ter feito uma cirurgia e quando teve alta foi direto para casa da sua mãe, só a mãe sabia cuidar direito. E o marido, pasmem, aproveitou para ficar na casa de seus pais, isso facilitava sua vida. Eles casaram há três anos e ainda não tinham assumido o papel de casados. Não sabiam cuidar um do outro, e precisaram aprender. Não é isso o que prometeram no altar? Na saúde e na doença…então!

Até que a morte os separe….

Outro dia assistindo uma palestra saiu o tema sobre casamento, o narrador disse que o casamento só era bom para o homem, que se o marido tivesse uma confortável poltrona; uma televisão tela plana de 50’, comida e bebida por perto, o casamento duraria uma eternidade. Pensei na hora, aí está a explicação do que leva, a maioria esmagadora das mulheres, a serem as primeiras a pedirem o divórcio.

As conquistas femininas transformaram a vida familiar por dentro e por fora de casa.  Com isso, o casamento, antes a única escolha digna que a mulher tinha, hoje é opcional e não mais um fim em si mesmo.

Os propósitos firmados pelos noivos no dia casamento, se perdem no decorrer do tempo, deveriam ser revistos sempre. Porém, só vão mexer nisso nas bodas de prata, uma renovação depois de 25 anos de casados. O casal passa por todos os estágios de vida, e se esforçam muito para isso, priorizam os filhos, o cuidado com os pais idosos, só se esquecem de investir na relação deles como casal. Pouco se lembram do que os levou ao altar, a escolha que fizerem um pelo outro como par conjugal. A lembrança que vem é remota, pode ter sido por: paixão, formar uma família melhor, sair de casa dos pais, não sabem ao certo. As expectativas, os sonhos que não realizaram; ficaram para trás. Não conversaram mais a respeito e nunca compartilharam suas frustrações. Parece não terem permissão mútua para falar de emoções e sentimentos. Preferem acreditar que o outro entenderá as indiretas lançadas ao ar.

Para falar com o outro sobre o que você espera dele (a) deve-se usar quase todos os sentidos: olhar, tocar, falar e escutar. Em uma  comunicação funcional o outro deve entender o conteúdo do que está sendo dito. No entanto, insistem pela comunicação a distância, ela na cozinha e ele na sala, o que dá grande margem a interpretações equivocadas. Falam somente sobre o que é trivial: futebol, novela e dinheiro. Nada que possa agregar valor para fortalecer a relação

Instaura-se a solidão e o distanciamento entre o casal. Terceiros, neste momento, tendem a ser incluídos na relação dos dois. Quando se tem algum problema, primeiro se aconselham com pai, mãe ou amigos, quando não com os filhos! E quando se encontram não têm mais assunto a ser discutido. Estão exaustos, desgastados e nem vale mesmo a pena discutir. Abafam o problema e congelam o conflito. Sem privacidade, deixam assuntos do casal serem resolvidos no coletivo. E pode piorar, quando se tratam por pai e mãe, ah mas, aí é só uma forma carinhosa?! Certo, mas da mesma forma impedem qualquer possibilidade de aproximação mais íntima.

Desafios como a adaptação da vida a dois é de difícil superação. É preciso aceitar as diferenças, entender que cada um foi criado em famílias diferentes, com outros costumes e outra cultura. É preciso ter maturidade para reconhecer que não há ‘certo ou errado’, ‘isso ou aquilo’, ‘bons ou maus’, ‘são ou doente’. Porque se eu sou o são, você só pode ser o(a) doente. Ninguém é bonzinho nem mauzinho todo o tempo. Fora, ficarem instigando o outro a mudar, para serem iguais. Já imaginaram ficar com alguém como nós?! Na relação conjugal não se tem verdade absoluta, cada um tem sua verdade, e essa precisa ser confirmada pelo outro. Não é para ficar competindo  quem está certo e quem está errado. Só crescemos com as diferenças, então é primordial saber ser flexível, aprender com o outro, ceder em prol da relação e negociar novos padrões rumo a uma vida mais plena e mais leve.

E foram felizes para sempre…

O ciclo da vida passa muito rápido, quando estes jovens se dão conta, os filhos estão criados e já saíram de casa.O casal finalmente fica a sós, mas não como antes com projetos de vida, agora já não se reconhecem mais, se esbarram e se perguntam quem é este(a) na minha casa? Se estranham como dois desconhecidos.

Se antes, no início do casamento o casal tinha algum projeto de vida, depois de 25 anos estão sem saber aonde ir. Sentem que não viveram da maneira que gostariam, e agora este tempo acabou.  Tanto o homem como a mulher se sentem enfraquecidos, solitários e ainda não compartilham seus sentimentos, talvez por temerem que esse “segredo” seja descoberto pelo outro.

Lya Luft [2] cita que uma personagem criada por Virginia Wolf, relata:  Separada há pouco tempo, levou os filhos para almoçar com os amigos. Lá pelas tantas resolvia-se quem ficava com qual pedaço de frango. Indagada, de repente ela parou, atônita: não sabia mais qual era seu pedaço preferido.

Quando a vida é entregue ao acaso a pessoa pode perder sua identidade e o controle de sua vida. Esperam que a vida mude para melhor, sem sair do lugar. Conforme o ditado: ‘ruim com ele(a) e pior sem ele(a)’, cedem sua saúde e seu bem-estar a pressão alheia. Este período é propício para desencadear doenças como:  depressão, diabetes, infarto, AVC’s, e outras doenças tanto físicas como emocionais.

Sabemos que não há resposta pronta nem solução única para todos os casos, mas existem recursos que podem ajudar o casal neste processo. A terapia conta com diversos recursos terapêuticos. Tem uma dinâmica simples que pode ser realizada pelo casal, em casa mesmo, para rever a relação. Cada um escreva duas listas, em uma coloquem os motivos que o(a) levaram a continuar casados(as), e na outra liste os apesares, ou seja, “apesar de disso e daquilo ainda estamos casados (as). No final contabilizem, se os motivos forem maiores que os apesares, o resultado será positivo; dando abertura para uma possível reconciliação. Se os apesares superarem os motivos, o saldo será negativo, talvez um sinal para separação. O filósofo Mario Sergio Cortella cita essa dinâmica e revela que anualmente a realiza. E ressalta que as razões sempre devem ser maiores que os senões[3].

A terapia de casal sistêmica é bem indicada e abrangente, realmente transforma vidas, só não consegue criar sentimentos. Mas, caso algum tenha sido preservado, tem como ressuscitá-lo. No geral, os resultados da terapia de casal são animadores, para os que ousam. Muitos se reconciliam, outros se separam, mas o que realmente importa é que recuperam o controle de suas vidas. Suas escolhas se tornam mais assertivas, e ficam mais cientes e seguros, até em tomar decisões difíceis, como: viver bem juntos ou separar-se bem?

O principal objetivo da terapia de casal é a mudança, mas o processo de mudança normalmente envolve um certo nível de crise. Porém, é preciso acreditar nos casais, eles possuem recursos inesgotáveis de apoio, amor e carinho, e contam com várias possibilidades que ainda nem exploraram. Os casais realmente mudam e conseguem reconstruir suas histórias de vida [4]. Esse processo tem um efeito libertador e nos alimenta de esperança.

Nunca se privem de viver bem e intensamente.

[1] Filme ‘A História de Nós Dois’ EUA (1999)

[2]LUFT, L. O Rio do Meio, Ed. Record, 1996, 67,74.

[3] CORTELLA, M. S. Não se desespere, ed. Vozes, 7ª edição, 2014

[4] MINUCHIN, S. A Cura da Família, ed. Artmed, 1995.